Ser ou não ser

«Tornou a deitar-se, isto é uma criancice, um homem se quer uma coisa, não a deixa ao acaso, faz por alcançá-la, haja vista o que trabalharam no seu tempo os cruzados, espadas contra alfanges, morrer se for preciso, e os castelos, e as armaduras, depois, sem saber se ainda está acordado ou dorme já, pensa nos cintos de castidade de que os senhores cavaleiros levaram as chaves, pobres enganados, aberta foi a porta deste quarto, em silêncio, fechada está, um vulto atravessa tenteando, pára à beira da cama, a mão de Ricardo Reis avança e encontra uma mão gelada, puxou-a, Lídia treme, só sabe dizer, Tenho frio, e ele cala-se, está a pensar se deve ou não beijá-la na boca, que triste pensamento.»
O Ano da Morte de Ricardo Reis é um dos meus livros preferidos de José Saramago. Portanto, colei aqui um excerto. A meu ver, Saramago é um sádico exímio e o pobre Ricardo Reis é verdadeiramente espezinhado do princípio ao fim da obra. Leva 'porrada' de toda a gente, de Pessoa aos heterónimos e até de Lídia. É um massacre! E o que é que eu acho? É bem feita! Não se pode passar a vida a jogar xadrez no alto de uma montanha. Ao fim de cinco minutos é uma autêntica seca. O Reis, se fosse um miúdo do liceu, era daqueles que fica sentado no banco nas aulas de Educação Física e tem um atestado do médico. O Reis preferia fazer Ioga a entrar na Volta à França. O Reis gostava era de ficar a ver navios e nunca apanhava o barco. Se o Reis fosse vegetariano, dava-lhe uma dobrada à moda do Porto... e FRIA! E acho que é isso mesmo que Saramago faz neste livro: serve uma grande pratada de dobrada a um vegetariano e diz-lhe apenas «Tens meia hora para limpar o prato!»