Regras
«A primeira travessura que a bebé fez foi pôr-se a arrancar páginas dos livros dela. Por isso estabelecemos uma regra: de cada vez que ela arrancasse uma página de um livro, tinha de ficar quatro horas fechada no quarto, sozinha, com a porta trancada. Ela arrancava cerca de uma página por dia, no começo, e a regra funcionou bastante bem, embora o choro e a gritaria por trás da porta trancada fossem enervantes. [...] Mas depois, à medida que a habilidade dela aumentou, ela começou a arrancar duas páginas de cada vez, o que implicava oito horas sozinha no quarto, com a porta trancada, duplicando o incómodo para toda a gente. Mas ela não se emendava. E depois, à medida que o tempo passava, começou a haver dias em que ela arrancava três ou quatro páginas, levando a que ficasse sozinha no quarto dezasseis horas seguidas, o que interferia com o horário normal das refeições e afligia a minha mulher. [...] A minha mulher disse que talvez estivéssemos a ser demasiado severos com a bebé e que a bebé estava a emagrecer. Mas eu fiz-lhe notar que a bebé tinha uma longa vida pela frente e que teria de viver num mundo em que havia regras, muitas regras, e quem não soubesse cumprir as regras ficaria entregue a si mesmo, um bandalho sem carácter, repudiado e ostracizado por todos. O período mais longo em que a deixámos fechada no quarto ininterruptamente foi de oitenta e oito horas, e terminou quando a minha mulher arrancou a porta dos gonzos com um pé-de-cabra, embora a bebé ainda nos estivesse e dever doze horas, pois estava a cumprir castigo por causa de vinte e cinco páginas. Eu tornei a encaixar a porta nas dobradiças e instalei uma grande fechadura, uma daquelas que só abrem quando se enfia um cartão magnético numa ranhura, e guardei o cartão. Mas as coisas não melhoraram. A bebé saía do quarto como um morcego a irromper do Inferno e precipitava-se sobre o livro mais próximo, Boa-noite, Lua ou outro qualquer, e começava a arrancar-lhe páginas umas atrás das outras. Ao fim de dez segundos havia trinta e quatro páginas de Boa-noite, Lua no meio do chão, por exemplo. Mais as capas. Comecei a ficar um bocadinho preocupado. Quando fiz as contas às horas de castigo que ela teria de cumprir, percebi que ela não iria sair do quarto até 1992, no mínimo. [...] Estávamos confrontados com uma crise ética, em suma.»
Donald Barthelme, «A Bebé» (1983), 40 Histórias
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