Música para os meus ouvidos



Três flashbacks.
Inverno de 1996: «Tens de ouvir isto... é muito bom!», diz-me uma amiga que me passa para as mãos um cd vermelho. O álbum chamava-se Wish.
Verão de 2001: O cd de Substance, um best of dos Joy Division, gira no meu discman azul. Ouvi pela primeira vez She's Lost Control e Transmission.
Verão de 2003: A primeira e última vez que vi Coil ao vivo. Naquele parque de estacionamento da Casa da Música ainda em construção, o grande abalo sísmico foi The First Five Minutes After Death. Eclipsou qualquer resquício mental da peculiar indumentária dos senhores que se assemelhavam a coelhos da Páscoa.
Entre estes três flashbacks, foi um pulo até perceber que havia alternativas ao conceito de música de raves (giurk!), que música ambiente não era afinal música de elevador nem grandes hits tocados em flautas de pã e que havia mundos e fundos por descobrir. New Order, Smiths, Orbital, Aphex Twin e muitos outros sucederam-se a uma velocidade impressionante no meu discman azul. Descobri que afinal os anos 80 eram mais que cortes de cabelo do piorio, Molly Ringwalds cores-de-rosa, George Michaels e Boy Georges. Havia coisas deslumbrantes no New Wave, no Gótico (bom... note-se), no Glam Rock e no Punk. Blondie, Siouxsie and the Banshees, Depeche Mode, Eurythmics, etc., etc.
Algumas referências da música electrónica e industrial não me eram estranhas mas... desde a última sexta-feira... muita coisa passou a fazer mais sentido ou, pelo menos, a estar mais ligada. Assisti a uma palestra/aula aberta/tertúlia sobre o tema e gostei do que ouvi na LX Factory. Eis a versão telegráfica de alguns apontamentos mentais: Revolução Industrial. Só mais de um século depois é que o homem se habituou ao ruído da máquina, aos sons metronómicos e mecânicos e os integrou na música. A máquina desumaniza a música? Criador e criação invertem-se? Máquina e homem confundem-se? L'Arte dei Rumori de Luigi Russolo. O ruído da máquina é mais belo do que a Vitória de Samotrácia? O Tellharmonium. O primeiro órgão Hammond. O primeiro gravador. Varèse, Stockhausen e Cage. O serialismo musical, as técnicas de gravação de som e a reprodução em diferido, o theremin, as ondas Martenot, o sampling, a fundação da Industrial Records por Genesis P. Orridge (Viram-no em Joy Division. Foi a última pessoa a quem Ian ligou antes de se suicidar.) Música industrial: o genuíno punk, o fascínio pelos totalitarismos, por ícones de esquerda e direita passíveis de subversão (Laibach), destroços de guerra que se tornam arte (Einsturzende Neubauten). Clock DVA e Test Dept. (a intervenção política anti-Thatcher, as gravações com coros de mineiros), o look fuligem na cara e tronco nu.
Embora não me passasse pela cabeça ouvir as palavras Delfins e Santos e Pecadores naquela conversa informal, aqui fica o meu grande obrigada aos oradores ( José António Moura, Isilda Sanches, Fernando Cerqueira, Miguel Sá e Carlos Matos)!